Há muito se denuncia que as áreas de preservação na Amazônia não passavam de reservas do imperialismo. Hoje, tudo se esclarece. De fato, na Amazônia, apenas as cidades e algumas grandes propriedades no interior são brasileiras. As partilhas se revelam mais sofisticadas que os antigos métodos de anexação territorial, e diferentes áreas nas reservas, desde algum tempo, são abertamente negociadas para a exploração por parte das empresas do imperialismo.Isolada na selva, nenhuma planta, nenhum sítio mineral tem valor que se expressa em dinheiro (preço), exceto se houver trabalho, particularmente quando uma substancial parte do trabalho não é paga.Luís Inácio sancionou, no dia 2 de março, após o prolongado feriado do carnaval, a Lei de Gestão de Florestas Públicas que permite a exploração madeireira e outras atividades econômicas em áreas florestais sob domínio federal. Originária do projeto 4776/2005 — aprovado pela Câmara em 7 de julho de 2005, através de um fulminante "acordo de lideranças" e, no Senado, em 1º de fevereiro de 2006 (39 votos contra 14 e uma abstenção) — agora Lei 11.284/06, é considerada a mais importante ação da gerência FMI-PT na esfera ambiental. Para não fugir à tradição, a homologação se fez acompanhar de asneiras pronunciadas com ênfase, como a justificativa de "disciplinar o caos fundiário na Amazônia e conter o desmatamento na região". E a Lei autorga o uso das áreas públicas da floresta, em até 50 milhões de hectares à exploração "sustentável", ao "turismo ecológico", e, finalmente, à especulação com "madeira e produtos não-madereiros" — quando seria mais simples dizer especulação em geral. Na prática, a operação parlamentar e aprovação da Lei pelo Executivo abriram caminho para uma espécie de grilagem legal e altamente sofisticada, promovendo o arrendamento para os grandes conglomerados mundiais de vastas extensões de florestas, por até 60 anos, com pagamento de royalties. Antes, os incautos poderiam considerar fora da realidade qualquer coisa que levasse a imaginar a união de ambientalistas, madeireiros, ONGs, "movimentos" sociais monitorados pela Igreja, governos estaduais e federal em torno de um "consenso" que somam 5 milhões de quilômetros quadrados da floresta na chamada Amazônia Legal. Basta fiscalizar ...
A ficção de conciliar extrativismo com preservação ambiental é a questão
central entre atores sociais aparentemente tão antagônicos. Mantendo o estilo,
tais atores fazem-se de crédulos para um outro devaneio, segundo o qual o
Serviço Florestal Brasileiro — também criado pela Lei de Gestão de Florestas —
será capaz de fiscalizar o impacto ambiental de atividades agrícolas
empresariais que, por natureza, são predatórias.
Melhor seria dizer: basta que a rapina se torne legal e ela deixará de ser
atividade predatória, dispensada qualquer fundamentação científica sobre os
conceitos de rapina e predatório, como acontece com a tal "economia
sustentável".
A Lei de Gestão de Florestas Públicas segue à risca os princípios das
políticas implementadas pelos prepostos petistas do governo ianque que enxerga o
país como uma grande e desafortunada empresa. A própria idéia de gestão — esta
palavra cara ao léxico do "empreendimento neoliberal" e seus gerentes com
mobilidade planetária — está umbilicalmente ligada ao movimento de convergência
das "políticas públicas" na direção dos anseios do capital financeiro mundial.
Segundo a Lei, as áreas serão licitadas para "manejo florestal sustentável".
No dizer de Caroline Ruschel, professora de direito ambiental e internacional
da PUC-RS, na teoria seria uma maneira de controlar a exploração da floresta,
mas na prática é mais complicado, porque nem mesmo haveria fiscalização
suficiente para dar conta de áreas tão vastas. Acrescente-se ao problema a
questão da biodiversidade e as coisas se tornam muitas vezes mais difícil:
— Começa que, para derrubar uma árvore, muitas outras acabariam sendo
derrubadas também. Ou seja, como sabemos que a concessão é para a exploração,
seria ingenuidade da nossa parte não pensar no enorme estrago que isso irá
causar ao habitat da área concedida.
Caroline considera que o governo compartilha com as madeireiras a visão
utilitarista do meio ambiente. Ela cita o exemplo da atuação predatória da
Aracruz Celulose no Rio Grande Sul:
— Aqui estão discutindo o plantio de pinus, uma árvore alienígena em uma
região que já foi toda desmatada e está virando um deserto. Ao invés de deixar a
área se recuperar, já que, teoricamente, não existe mais nada a fazer, a Aracruz
está tentando a permissão para a plantação dessa espécie. O problema é que o
pinus acabaria de vez com aquela área e o risco de contaminar regiões próximas é
muito grande.
Agindo como a Aracruz Celulose — em cujos princípios expressos afirma
respeitar as comunidades indígenas, mas na realidade usurpa suas terras para a
(também) criminosa monocultura do eucalipto — as justificativas apresentadas
pelo presidente da República, pela ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, e
por ecologistas da alta costura seguem obedientes o receituário da
"responsabilidade social" das empresas.
Essas autoridades alegam que ceder florestas públicas à exploração do capital
financeiro trará benefícios para a região amazônica, já que a lei prevê vitória
nas licitações somente para a empresa que combinar melhor preço pelo produto
ambiental e maior benefício socioeconômico local...
Teorias tecnocráticas
Os argumentos estão balizados na idéia de desenvolvimento
sustentável, fundamentada nos princípios da "igualdade social e ambiental",
um mito que emergiu a partir da década de 80 tentando conjugar conservação da
natureza e desenvolvimento econômico, mantendo a integridade ecológica em tempos
de acirramento do estímulo ao consumo.
Quando se contabiliza os custos ambientais para a sustentação de uma produção
mais rápida e eficiente, a idéia de desenvolvimento sustentável ganha
lances de marketing para preservar a imagem tanto de empresas quanto de
"governos".
O desenvolvimento sustentável é uma contradição que não se sustenta,
mas mesmo assim serve para nortear a atuação de movimentos ambientalistas e suas
ONGs ao redor do mundo.
Quanto a tradicional extração de madeira no Brasil, ela nunca é respondida
com o reflorestamento, pelo simples fato de que ela não passa jamais de
economia extrativista, embora lhe dêem outros nomes para,
cinicamente, atenuar males.
Na Amazônia já é imensa a área degradada em mãos de latifundiários. Os
"governos" que se sucedem, obedientes aos latifúndios e ao capital financeiro,
arrecadam impostos para promover o replantio, mas cuidadosamente não plantam
coisa alguma.
De resto, um mundo de terras agricultáveis existe em grande parte do
território nacional, com 90 por cento delas nas mãos dos latifundiários nativos
e estrangeiros, cujas constantes "regulamentações fundiárias" jamais permitiram
ao Brasil ter algo que possa ser, de longe, chamado de agricultura.
Curiosamente, a Lei de Gestão de Florestas reuniu em seu apoio essas mesmas
ONGs e esses mesmos agentes do mercado, de mãos dadas em torno da festejada
panacéia das empresas guardiães da floresta.
ONGs como as WWF (Fundo Mundial para a Natureza) e Greenpeace se tornaram
marcas internacionais, tendo como mote de seus princípios institucionais a
"utilização racional" (para quem?) dos recursos do meio ambiente*.
Já o diretor emérito da WWF Brasil, Paulo Nogueira Neto, foi membro da
Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento das Nações Unidas
(Comissão Brundtland), que em 1987 formulou o conceito de desenvolvimento
sustentável.
O conselho diretor da WWF Brasil conta ainda com nomes festejados pelo setor
empresarial, como Christina Carvalho Pinto, eleita em 2004 pela revista Forbes a
mulher mais influente do país no setor de propaganda e marketing e Álvaro
Antonio Cardoso de Souza, ex-presidente do Citibank Brasil . Um exame mais
atento pode explicar em parte o apoio do monopólio dos meios de comunicação à
Lei de Gestão Ambiental: entre os diretores da WWF Brasil, estão José Roberto
Marinho, presidente da Fundação Roberto Marinho, e Pedro Sirotsky,
vice-presidente da RBS — Rede Brasil-Sul de Comunicações.
Diversos representantes de ONGs ambientalistas de prestígio junto ao setor
empresarial prestam consultoria ao Ministério do Meio Ambiente. Assim, o diretor
do Programa Nacional de Florestas, Tasso Rezende de Azevedo, parece respaldado
quando afirma que o governo optou por "gerir a floresta pública em parceria com
a sociedade".
Ambiente de corrupção
Os "parceiros" escolhidos não são mais os velhos representantes da direita
rural arcaica, mas as respeitáveis empresas com o apoio moral do certificado ISO
14000 — de qualidade, segundo os padrões das grandes corporações, uma série de
normas internacionais que tratam do gerenciamento do "meio ambiente", sendo um
comprovante para as empresas de que seus produtos "não causam problemas
ambientais", nem antes nem depois de produzidos e utilizados.
Teoricamente, apropriação de terras públicas, a partir de agora, só com a
cumplicidade oficial. Os grileiros estão sendo alijados da farra latifundiária.
A palavra grileiro tem origem em uma fraude. Os moradores da região colocavam
documentos conseguidos em cartórios especializados em falsificações dentro de
uma gaveta ou caixa repleta de grilos. Os grilos soltam uma substância que deixa
o papel amarelado, parecendo ser papel velho. Eles utilizavam esse papel para
dizer que determinada área era de sua propriedade. Mas os toscos e velhos
métodos utilizados para apropriação de terras não têm mais lugar num mundo onde
madeireiras têm seu capital posto à prova nas bolsas de Nova York e Madrid.
A Lei de Gestão de Florestas cria mecanismos que impedem os (antigos)
grileiros de usar o desmatamento como demonstração de posse ou conseguir
qualquer espécie de titularidade sobre a terra.
Mas os velhos papéis amarelados serão substituídos por licitações novinhas em
folha, que serão o símbolo de mais um passo na direção do processo de
despolitização patrocinado pelo governo federal, cuja máquina de propaganda vem
plantando com sucesso nos grandes jornais e emissoras de TV que o arrendamento
de florestas públicas — divulgado sob o eufemismo de "concessão" — é a única
solução para a questão ambiental na região.
Enfim, o verdadeiro Brasil está farto do que o Estado chama de legal, de
lícito e todas as suas trapalhadas, incluindo as tais fiscalizações sobre
espécies florestais.
Segundo os termos do que o governo chama de parceria — na verdade, uma nova
forma de apropriação privada dos bens públicos — as empresas, agraciadas com
milhares de hectares de florestas, poderão oferecer a produção como garantia a
financiamentos de bancos internacionais.
A Lei de Gestão de Florestas, portanto, não pode ser compreendida fora do
contexto da expansão do capital financeiro e das estratégias das corporações,
como da atuação confessa do ministério do Meio Ambiente — outrora um mito de
trincheira da luta pela preservação da Amazônia — ou ser avaliada ignorando os
financiamentos conseguidos junto ao Banco Mundial.
Para Caroline Ruschel, também coordenadora do grupo de estudos "Estado de
Direito Ambiental" — que discute o papel, os limites e as possibilidades do
Direito Ambiental na realidade social -, o problema é que o lobby de empresas
que têm interesse exclusivamente em seus lucros acaba persuadindo, ainda mais,
governos criados para serem persuadidos.
|
domingo, 2 de setembro de 2012
A generosa contribuição do PT
A partilha da Amazônia: O império requisita a floresta
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário