domingo, 2 de setembro de 2012

A generosa contribuição do PT

A partilha da Amazônia: O império requisita a floresta
       

 

Há muito se denuncia que as áreas de preservação na Amazônia não passavam de reservas do imperialismo. Hoje, tudo se esclarece. De fato, na Amazônia, apenas as cidades e algumas grandes propriedades no interior são brasileiras. As partilhas se revelam mais sofisticadas que os antigos métodos de anexação territorial, e diferentes áreas nas reservas, desde algum tempo, são abertamente negociadas para a exploração por parte das empresas do imperialismo.

Isolada na selva, nenhuma planta, nenhum sítio mineral tem valor que se expressa em dinheiro (preço), exceto se houver trabalho, particularmente quando uma substancial parte do trabalho não é paga.


Luís Inácio sancionou, no dia 2 de março, após o prolongado feriado do carnaval, a Lei de Gestão de Florestas Públicas que permite a exploração madeireira e outras atividades econômicas em áreas florestais sob domínio federal. Originária do projeto 4776/2005 — aprovado pela Câmara em 7 de julho de 2005, através de um fulminante "acordo de lideranças" e, no Senado, em 1º de fevereiro de 2006 (39 votos contra 14 e uma abstenção) — agora Lei 11.284/06, é considerada a mais importante ação da gerência FMI-PT na esfera ambiental. Para não fugir à tradição, a homologação se fez acompanhar de asneiras pronunciadas com ênfase, como a justificativa de "disciplinar o caos fundiário na Amazônia e conter o desmatamento na região".
E a Lei autorga o uso das áreas públicas da floresta, em até 50 milhões de hectares à exploração "sustentável", ao "turismo ecológico", e, finalmente, à especulação com "madeira e produtos não-madereiros" — quando seria mais simples dizer especulação em geral.
Na prática, a operação parlamentar e aprovação da Lei pelo Executivo abriram caminho para uma espécie de grilagem legal e altamente sofisticada, promovendo o arrendamento para os grandes conglomerados mundiais de vastas extensões de florestas, por até 60 anos, com pagamento de royalties.
Antes, os incautos poderiam considerar fora da realidade qualquer coisa que levasse a imaginar a união de ambientalistas, madeireiros, ONGs, "movimentos" sociais monitorados pela Igreja, governos estaduais e federal em torno de um "consenso" que somam 5 milhões de quilômetros quadrados da floresta na chamada Amazônia Legal.

Basta fiscalizar ...

A ficção de conciliar extrativismo com preservação ambiental é a questão central entre atores sociais aparentemente tão antagônicos. Mantendo o estilo, tais atores fazem-se de crédulos para um outro devaneio, segundo o qual o Serviço Florestal Brasileiro — também criado pela Lei de Gestão de Florestas — será capaz de fiscalizar o impacto ambiental de atividades agrícolas empresariais que, por natureza, são predatórias.
Melhor seria dizer: basta que a rapina se torne legal e ela deixará de ser atividade predatória, dispensada qualquer fundamentação científica sobre os conceitos de rapina e predatório, como acontece com a tal "economia sustentável".
A Lei de Gestão de Florestas Públicas segue à risca os princípios das políticas implementadas pelos prepostos petistas do governo ianque que enxerga o país como uma grande e desafortunada empresa. A própria idéia de gestão — esta palavra cara ao léxico do "empreendimento neoliberal" e seus gerentes com mobilidade planetária — está umbilicalmente ligada ao movimento de convergência das "políticas públicas" na direção dos anseios do capital financeiro mundial.
Segundo a Lei, as áreas serão licitadas para "manejo florestal sustentável".
No dizer de Caroline Ruschel, professora de direito ambiental e internacional da PUC-RS, na teoria seria uma maneira de controlar a exploração da floresta, mas na prática é mais complicado, porque nem mesmo haveria fiscalização suficiente para dar conta de áreas tão vastas. Acrescente-se ao problema a questão da biodiversidade e as coisas se tornam muitas vezes mais difícil:
— Começa que, para derrubar uma árvore, muitas outras acabariam sendo derrubadas também. Ou seja, como sabemos que a concessão é para a exploração, seria ingenuidade da nossa parte não pensar no enorme estrago que isso irá causar ao habitat da área concedida.
Caroline considera que o governo compartilha com as madeireiras a visão utilitarista do meio ambiente. Ela cita o exemplo da atuação predatória da Aracruz Celulose no Rio Grande Sul:
— Aqui estão discutindo o plantio de pinus, uma árvore alienígena em uma região que já foi toda desmatada e está virando um deserto. Ao invés de deixar a área se recuperar, já que, teoricamente, não existe mais nada a fazer, a Aracruz está tentando a permissão para a plantação dessa espécie. O problema é que o pinus acabaria de vez com aquela área e o risco de contaminar regiões próximas é muito grande.
Agindo como a Aracruz Celulose — em cujos princípios expressos afirma respeitar as comunidades indígenas, mas na realidade usurpa suas terras para a (também) criminosa monocultura do eucalipto — as justificativas apresentadas pelo presidente da República, pela ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, e por ecologistas da alta costura seguem obedientes o receituário da "responsabilidade social" das empresas.
Essas autoridades alegam que ceder florestas públicas à exploração do capital financeiro trará benefícios para a região amazônica, já que a lei prevê vitória nas licitações somente para a empresa que combinar melhor preço pelo produto ambiental e maior benefício socioeconômico local...

Teorias tecnocráticas

Os argumentos estão balizados na idéia de desenvolvimento sustentável, fundamentada nos princípios da "igualdade social e ambiental", um mito que emergiu a partir da década de 80 tentando conjugar conservação da natureza e desenvolvimento econômico, mantendo a integridade ecológica em tempos de acirramento do estímulo ao consumo.
Quando se contabiliza os custos ambientais para a sustentação de uma produção mais rápida e eficiente, a idéia de desenvolvimento sustentável ganha lances de marketing para preservar a imagem tanto de empresas quanto de "governos".
O desenvolvimento sustentável é uma contradição que não se sustenta, mas mesmo assim serve para nortear a atuação de movimentos ambientalistas e suas ONGs ao redor do mundo.
Quanto a tradicional extração de madeira no Brasil, ela nunca é respondida com o reflorestamento, pelo simples fato de que ela não passa jamais de economia extrativista, embora lhe dêem outros nomes para, cinicamente, atenuar males.
Na Amazônia já é imensa a área degradada em mãos de latifundiários. Os "governos" que se sucedem, obedientes aos latifúndios e ao capital financeiro, arrecadam impostos para promover o replantio, mas cuidadosamente não plantam coisa alguma.
De resto, um mundo de terras agricultáveis existe em grande parte do território nacional, com 90 por cento delas nas mãos dos latifundiários nativos e estrangeiros, cujas constantes "regulamentações fundiárias" jamais permitiram ao Brasil ter algo que possa ser, de longe, chamado de agricultura.
Curiosamente, a Lei de Gestão de Florestas reuniu em seu apoio essas mesmas ONGs e esses mesmos agentes do mercado, de mãos dadas em torno da festejada panacéia das empresas guardiães da floresta.
ONGs como as WWF (Fundo Mundial para a Natureza) e Greenpeace se tornaram marcas internacionais, tendo como mote de seus princípios institucionais a "utilização racional" (para quem?) dos recursos do meio ambiente*.
Já o diretor emérito da WWF Brasil, Paulo Nogueira Neto, foi membro da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento das Nações Unidas (Comissão Brundtland), que em 1987 formulou o conceito de desenvolvimento sustentável.
O conselho diretor da WWF Brasil conta ainda com nomes festejados pelo setor empresarial, como Christina Carvalho Pinto, eleita em 2004 pela revista Forbes a mulher mais influente do país no setor de propaganda e marketing e Álvaro Antonio Cardoso de Souza, ex-presidente do Citibank Brasil . Um exame mais atento pode explicar em parte o apoio do monopólio dos meios de comunicação à Lei de Gestão Ambiental: entre os diretores da WWF Brasil, estão José Roberto Marinho, presidente da Fundação Roberto Marinho, e Pedro Sirotsky, vice-presidente da RBS — Rede Brasil-Sul de Comunicações.
Diversos representantes de ONGs ambientalistas de prestígio junto ao setor empresarial prestam consultoria ao Ministério do Meio Ambiente. Assim, o diretor do Programa Nacional de Florestas, Tasso Rezende de Azevedo, parece respaldado quando afirma que o governo optou por "gerir a floresta pública em parceria com a sociedade".

Ambiente de corrupção

Os "parceiros" escolhidos não são mais os velhos representantes da direita rural arcaica, mas as respeitáveis empresas com o apoio moral do certificado ISO 14000 — de qualidade, segundo os padrões das grandes corporações, uma série de normas internacionais que tratam do gerenciamento do "meio ambiente", sendo um comprovante para as empresas de que seus produtos "não causam problemas ambientais", nem antes nem depois de produzidos e utilizados.
Teoricamente, apropriação de terras públicas, a partir de agora, só com a cumplicidade oficial. Os grileiros estão sendo alijados da farra latifundiária. A palavra grileiro tem origem em uma fraude. Os moradores da região colocavam documentos conseguidos em cartórios especializados em falsificações dentro de uma gaveta ou caixa repleta de grilos. Os grilos soltam uma substância que deixa o papel amarelado, parecendo ser papel velho. Eles utilizavam esse papel para dizer que determinada área era de sua propriedade. Mas os toscos e velhos métodos utilizados para apropriação de terras não têm mais lugar num mundo onde madeireiras têm seu capital posto à prova nas bolsas de Nova York e Madrid.
A Lei de Gestão de Florestas cria mecanismos que impedem os (antigos) grileiros de usar o desmatamento como demonstração de posse ou conseguir qualquer espécie de titularidade sobre a terra.
Mas os velhos papéis amarelados serão substituídos por licitações novinhas em folha, que serão o símbolo de mais um passo na direção do processo de despolitização patrocinado pelo governo federal, cuja máquina de propaganda vem plantando com sucesso nos grandes jornais e emissoras de TV que o arrendamento de florestas públicas — divulgado sob o eufemismo de "concessão" — é a única solução para a questão ambiental na região.
Enfim, o verdadeiro Brasil está farto do que o Estado chama de legal, de lícito e todas as suas trapalhadas, incluindo as tais fiscalizações sobre espécies florestais.
Segundo os termos do que o governo chama de parceria — na verdade, uma nova forma de apropriação privada dos bens públicos — as empresas, agraciadas com milhares de hectares de florestas, poderão oferecer a produção como garantia a financiamentos de bancos internacionais.
A Lei de Gestão de Florestas, portanto, não pode ser compreendida fora do contexto da expansão do capital financeiro e das estratégias das corporações, como da atuação confessa do ministério do Meio Ambiente — outrora um mito de trincheira da luta pela preservação da Amazônia — ou ser avaliada ignorando os financiamentos conseguidos junto ao Banco Mundial.
Para Caroline Ruschel, também coordenadora do grupo de estudos "Estado de Direito Ambiental" — que discute o papel, os limites e as possibilidades do Direito Ambiental na realidade social -, o problema é que o lobby de empresas que têm interesse exclusivamente em seus lucros acaba persuadindo, ainda mais, governos criados para serem persuadidos.

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